quinta-feira, 25 de março de 2010

COMO PINTAR DORMENTES HO

COMO PINTAR DORMENTES HO

Quando minha antiga maquete N já estava com os trilhos assentados, mas não balastrados, e parte do cenário montada, comecei a achar que havia algo estranho, alguma coisa que destoava da realidade. Entretanto, por mais que a examinasse e indagasse dos visitantes, não conseguia descobrir o que estava me incomodando tanto. Até que um amigo, cujo pai fora ferroviário, me levou a matar a charada, convidando-me para acompanhá-lo a um viaduto, perto de sua casa, para conhecer, de cima, parte de um ramal da antiga Paulista.

Vi os trilhos já enferrujados e tanto mato alto que ficava difícil examinar os dormentes, que mal se destacavam do balastro cinza, espalhado pra todo lado. Quando consegui fixar os olhos num dos barrotes percebi que se confundia com o balastro por ser igualmente cinzento, de um cinza sujo, desbotado, quase branco, com os veios bem aparentes e cheio de rachaduras escuras, completamente diferente dos dormentes pretinhos como ébano que firmavam meus trilhos N, adquiridos na embalagem original.

Se fosse grego, como o matemático Arquimedes, teria saído correndo pelas ruas, gritando “Eureca! Eureca!”, mas como sou brasileiro e fleumático como todo mineiro que se preza, limitei-me a agradecer ao amigo por ter-me facilitado a descoberta da falha e voltei para casa, rindo à toa e disposto a meter a mão na massa para dar a meus dormentes uma cor mais próxima possível da real.

Foi só ao me abeirar da maquete me dei conta da hercúlea tarefa a que me propusera: pintar 3.400 dormentes, pois, descontados os trechos de túneis, sobravam-me 17m de trilhos à vista, com cerca de 200 dormentes por metro! Trabalhando rapidamente com um pincel 0 e com tinta relativamente diluída, levaria em média um minuto para pintar 10 deles, visto que, além da superfície superior, teria de cobrir também as laterais e as extremidades. Assim, para completar o serviço, precisaria de mais de cinco horas, que não poderiam ser contínuas para evitar o cansaço e as dores nas costas e nas mãos. Diante disso e de, por pura sorte, não ter balastrado os trilhos ainda, resolvi recorrer a meu aerógrafo Gatti AG3 (um nacional, já na versão AG8, que adquiri em 1985 e considero melhor que muitos estrangeiros, dentre outras coisas porque pode ser usado sem dificuldade por canhotos), para o qual preparei uma tinta adequada, usando cores plásticas Acrilex, à base de água.

Concluída a proteção do cenário e dos trilhos, em menos de quinze minutos os 3.400 dormentes estavam pintados. Que maravilha, hem!? Nem tanto. Somados esses quinze minutos ao tempo que gastei cortando cartões para proteger o cenário, dividindo 17m de fita adesiva de 12 mm de largura em tiras de 6 mm para cobrir os 17m de trilhos (por motivos óbvios, não é possível usar tesoura, de modo que a fita deve ser estendida, em pequenos pedaços, sobre uma folha de papel parafinado, com a parte aderente para baixo, e cortada com estilete e régua), retirando as proteções e removendo, com tíner, a cola fixada sobre os boletos (boleto, como os ferromodelistas sabem, é o nome técnico da parte superior dos trilhos), cuidando para não ofender a pintura dos dormentes, calculo que levei bem mais de cinco horas para completar o serviço...

Por isso, ao iniciar a construção de minha atual maquete HO (tão crua ainda), atrasada pelos painéis que me vi obrigado a erguer para isolá-la do resto de minha oficina de marceneiro amador, decidi pintar os dormentes antes do assentamento dos trilhos. Comecei com uma pesquisa de materiais, da qual resultou a escolha de mangueiras de silicone, que podem ser compradas em lojas de material para laboratórios, para a proteção das partes metálicas e de óleo de silicone, para as de plástico. Para a pintura, após vários experimentos, elegi uma base (primer) cinza claro, de boa cobertura e secagem rápida. O procedimento é explicado em seguida à foto inserida abaixo da relação dos materiais.

Materiais:

— Alguns metros de mangueira de silicone 2x3,2 (2mm de diâmetro interno e 3,2mm de diâmetro externo), dependendo da quantidade de peças que você pretender pintar juntas;

— 1m de mangueira de silicone 3x5.

— Uma tesoura de lâminas estreitas e retas, como a mostrada na foto abaixo, que pode ser adquirida em casas de artigos cirúrgicos.

— Pelo menos um frasco spray de primer ráp. cinza da Colorgin (#5300).

— Óleo de silicone.



Procedimento:

1. Abra a mangueira 2x3,2 no sentido longitudinal com a tesoura, iniciando o corte normalmente e, a seguir, avançando com as lâminas semiabertas, como fazem os alfaiates, as costureiras e os balconistas de lojas de tecidos.

Notas: O ideal é cortar e abrir apenas um pedaço 2 cm maior que o necessário para cobrir o trilho (o excesso é para proteger suas extremidades), para não correr o risco de fazer um “caminho de rato”. Assim, para pintar os dormentes de uma peça de trilho flexível de 88 cm de comprimento (padrão Frateschi), corte dois pedaços de mangueira de 90 cm antes de abri-los, como explicado acima.

2. Se você é destro, comece a encapar o trilho a partir da extremidade à sua esquerda, com a parte aberta da mangueira voltada para o boleto e deixando uma sobra de 1 cm. Cobertos cerca de 6 cm, pressione a região já protegida com o indicador e o médio (ou o anular e o médio, como lhe parecer melhor) da mão esquerda enquanto vai assentando o resto da mangueira, guiando-a sobre o trilho com a mão direita e forçando-a a “abraçar” o boleto com o dedo indicador desta última, até a extremidade à sua direita, após a qual deverá sobrar ainda 1 cm de mangueira.

Notas: Conforme sua mão direita avança, a esquerda deverá acompanhá-la, exercendo pressão sobre a região já protegida, para evitar que a elástica mangueira de silicone deslize, descobrindo o trilho.

Se isso acontecer, interrompa o trabalho e procure fazer com que a mangueira deslize em sentido contrário, o que não é difícil, até ocupar sua posição primitiva.

3. Para proteger os trilhos de um desvio, antes de começar a encapá-los retire o eletroímã que controla a barra plástica que os aciona (obrigado, Perez). Depois, cubra-os como mostrado na foto, utilizando para a junção à esquerda um pedaço de mangueira de 3x5.

Nota: Pincele as partes de plástico que não devam ser pintadas com óleo de silicone, o meio mais fácil e eficiente para facilitar a remoção da pintura não desejada ao final do trabalho.

4. Terminada a primeira fase do procedimento, acomode os trilhos protegidos que pretende pintar de uma só vez no local da pintura, cuidando para que não fiquem muito espaçados, e pulverize a base sobre eles, observando as instruções da embalagem.

Notas: Costumo dispor os trilhos — flexíveis, curvas, desvios etc. — sobre uma placa de papelão corrugado, limitada, no fundo e nos lados, por um tapume de pelo menos 50cm de altura do mesmo material.

Uma única mão de base, aplicada a média velocidade, é suficiente para dar aos dormentes a cor de madeira velha, com veios aparentes e rachaduras escuras. Se você insistir nas demãos, para que fiquem “bem pintadinhos”, vai deixá-los com cara de dormentes de concreto.

5. Depois de 30 minutos, tempo de secagem ao toque do primer da Colorgin, as peças podem ser removidas, com cuidado, a fim de serem substituídas por outras. Decorridos mais 30 minutos, você já pode destacar as mangueiras de silicone e limpá-las com um pano seco, para serem reutilizadas.

Nota: É muito fácil limpar as mangueiras porque a tinta não adere a elas, que apenas perdem sua translucidez, como se vê claramente na foto acima, que mostra um desvio encapado com pedaços de mangueira 2x3,2 usadas e, na junção, com uma pequena porção de mangueira 3x5 nova.

6 — Se necessário, você poderá retocar os dormentes e outras partes dos trilhos (as relacionadas com o mecanismo de movimentação dos desvios, por exemplo), utilizando um pincel pequeno de cerdas macias e tintas indicadas para a pintura de modelos de plástico (Testors, Tamiya, Exacta), nas cores adequadas (prefiro euroI gray, para ferros, e medium gray, para dormentes, ambas da Testors).

domingo, 7 de março de 2010

CAMA DE GESSO PARA MOLDES COM FACES REENTRANTES

No tutorial FAZENDO E APLICANDO RÉPLICAS DE PEDRA expliquei como proteger moldes de paredes delgadas, usando um miolo e uma “cama” de gesso, que serve também para evitar que a forma se deforme com o vazamento do gesso líquido para a obtenção de uma réplica (ver tópico Moldagem com látex).

Todavia, na descrição do procedimento não levei em consideração moldes com faces reentrantes, as quais são praticamente irrelevantes na execução de formas flexíveis, como as de látex e borracha de silicone, mas, nas rígidas, como as de gesso, impedem que a matriz (no caso o molde de látex com o respectivo miolo) se destaque. Veja a figura 1: sem as camadas retentoras de argila, o gesso líquido, além de cobrir as partes salientes, atingiria o fundo da caixa e subiria pelas faces reentrantes, de modo que, depois de seco, o molde só poderia ser retirado com a destruição do miolo ou da própria cama. Advirta-se que o conceito de face reentrante é relativo, dependendo da posição da matriz, como se infere da figura 2, em que as faces salientes da figura 1 passaram a reentrantes e vice-versa.

O problema das formas rígidas se resolve com sua divisão em duas ou mais peças, a principal, denominada “madre-forma”, e as secundárias, “tasselos”, que se encaixam naquela, como mostrado na figura 2. É essa a técnica indicada para se fazer a cama de proteção, quando o molde tem faces reentrantes, como o mostrado nas fotos que ilustram o tutorial acima citado. O procedimento é o seguinte:

1. A estrutura de contenção ou pré-molde pode ser uma caixa de madeira, de preferência com fundo removível, cujas medidas internas sejam pelo menos 4 cm maiores que o comprimento e a largura do molde e seu miolo. Quanto à altura, as bordas superiores da caixa deverão ficar no mínimo 2 cm acima do topo do molde.

2. As paredes internas da caixa e seu fundo deverão ser revestidos com uma camada de cera, vaselina sólida, óleo de silicone ou qualquer outro antiaderente que impeça a argila e o gesso de aderirem às paredes e ao fundo do pré-molde. A vaselina pode ser liquidificada por aquecimento ou mistura com tíner ou benzina, para facilitar a aplicação.

3. Assente o molde com o miolo no fundo da caixa, devidamente nivelada, de modo que as paredes fiquem a pelo menos 2 cm de seus pontos extremos. Preencha os vãos com argila até os pontos em que se iniciam as faces reentrantes do molde. Não se preocupe em fazer com que as camadas retentoras de argila cheguem até o encontro das faces reentrantes com o fundo da caixa, como na figura 1: o importante é que elas não deixem o gesso vazar para a parte de baixo. Com uma haste de extremidades arredondadas, faça pelo menos duas covas para cada tasselo na superfície das camadas retentoras (a finalidade dessas covas é obrigar o tasselo a ocupar sempre a mesma posição sobre a forma-madre, como se vê na figura 2). Aplique uma camada de antiaderente na superfície de cada tasselo, inclusive nas suas covas. A superfície do molde dispensa o antiaderente porque o gesso não se agarra à borracha.

4. Calcule o volume de gesso líquido necessário para a madre-forma, lembrando-se que é melhor sobrar do que faltar (guarde as sobras para serem transformadas em pequenas pedras, como explicarei oportunamente). Prepare o gesso a 1:1 (veja como no item 5 do tópico Moldagem com látex do tutorial FAZENDO E APLICANDO RÉPLICAS DE PEDRAS) e vaze-o sobre o molde até nivelar com as bordas da caixa (se ficar um pouco abaixo não tem importância). Deixe a madre-forma secar por 24 horas ou mais (quanto mais secos o gesso e a argila, mais facilmente se soltarão da caixa).

5. Quando retomar o trabalho, vire a caixa ao contrário, para retirar seu conteúdo. Caso o conjunto não se solte, coloque calços baixos (5 mm de espessura, no máximo) sob as bordas da caixa, cuidando para que não impeçam a saída da madre-forma, despegue o fundo e faça pressão sobre a base do miolo. A seguir, remova a argila e, se necessário, limpe as paredes e o fundo da caixa. Limpe também as superfícies da madre-forma em que se encaixarão os tasselos (ver figura 2), as quais deverão ser impermeabilizadas com duas ou mais demãos de goma-laca de boa qualidade. É aconselhável reaplicar o antiaderente nas partes das paredes da caixa que entrarão em contato com o gesso.

6. Assim que a goma-laca secar, aplique, por cautela, sobre ela, isto é, sobre as superfícies da madre-forma que deverão entrar em contato com o gesso líquido, uma camada de antiaderente. Reponha o fundo da caixa, recoloque nela o conjunto, com a madre-forma para baixo, e vaze o gesso nos vãos deixados pelas camadas retentoras de argila (figura 2).

7. Deixe os tasselos secarem por 24 horas ou mais antes de remover o conjunto. Se houver dificuldade, proceda como indicado no item 5, acima. Mesmo que não lhe pareça necessário, é conveniente prender os tasselos à madre-forma (com elásticos, por exemplo) para não correr o risco de deixá-los cair durante o manuseio. Quando precisar utilizar o molde, retire os amarrilhos, os tasselos e o miolo, nesta ordem, para liberá-lo. Limpe o interior do molde, recoloque os tasselos e, pronto!, pode vazar o gesso para fazer uma nova réplica, com todos os detalhes da pedra original e sem nenhuma deformação.

8. Dependendo de como pretende utilizar a réplica, observe os procedimentos descritos nos itens 5 e 6 de Moldagem com látex, ou VII de Moldagem com borracha de silicone, do tutorial FAZENDO E APLICANDO RÉPLICAS DE PEDRAS, não se esquecendo de que, para liberá-la, bem como o molde, é preciso remover os tasselos antes. Terminado o trabalho, limpe o interior do molde, insira o miolo, encaixe o conjunto na madre-forma, reponha os tasselos nos respectivos lugares e prenda-os à madre-forma com os amarrilhos.